21 anos
Eu fico pensando em todas as casas que tive, casas corpo, casas móveis, casas palco e casas causas.
Lembro de quando me deitava em laranjeiras, acordava na lagoa e deslizava pelo humaitá. Lembro de todos os quartos, todos os cómodos acomodados e serelepes que tive.
Um dia sorri Brasília, chovi 309 e fui brotar 316, numa piscada não via mais o posto nove dormindo com minha mãe em Ipanema.
Quando era criança queria ser bióloga para treinar golfinhos, hoje tudo o que quero é "destreinar" algum lobo que nem em sonho vi. Nunca sonhei com uma passarela, já pensei em ser atriz, mas isso já se nasce sendo. Pensei em musicar sentimentos, percebi que já falava. Fotografei amigos para ter certeza de como os via. Bati o carro para testar o meu seguro. Pintei os cabelos de preto para ter certeza que aquela cor não me caia bem. Namorei artistas só para poder estar perto, beijei um advogado para matar a minha subjetividade. Não o beijei novamente. Bebi tudo o que vi pela minha frente para esquecer um amor antigo, acabei quase esquecendo meu próprio nome. Sai de salto alto sabendo que acabaria descalça. Mudei de manequim. Coloquei um piercing. Fiz uma tatuagem. Viajei com meus melhores amigos para as melhores praias, as nossas. Escrevi como tratamento. Frequentei uma psicóloga para ouvir tudo o que eu já sabia. Quis casar com um sebo e acabei flertando com uma "fnac". Dormi uma semana inteira no sofá. Pintei as unhas de cores berrantes. Tentei roer, achei sem graça. Ri tanto que quebrei um salto. Fiz tragédias gregas com novelas mexicanas. Prometi que começaria uma dieta segunda e logo em seguida comi brigadeiro. Pintei um quadro. Contei piadas estúpidas só para poder fazer meus amigos rirem. Coloquei no colo minha irmã. Fui à missa e percebi que prefiro igrejas vazias. Comprei uma árvore e quase a deixei morrer seca. Passei 9.000 músicas para o meu mp3 para acabar escutando 9.000 vezes a mesma música. Entrei na academia, sai da academia, percebi que preferia yoga. Descobri que prefiro arroz integral. Descobri que prefiro homens morenos. Li Fernando, Clarice, Humberto. Li Gabriel, reli, li, e acho que continuarei o lendo por toda minha vida. Fiz teatro. Chorei quando vi Medéia. Senti saudade do Rio. Perdoei o meu passado. Quase aprendi a andar de bicicleta com 20 anos, com a ajuda dos meus primos, de 6. Dancei com a minha irmã na sala, e foi mais divertido que qualquer festa cheia de gente. Toquei violão com meu pai no meu aniversário e tirei uma foto. Fui no casamento do irmão do meu melhor amigo.Quase morri com ele afogada em "malibu". Coloquei muita gente no colo. Percebi como é bom chorar no colo dos pais. Vi meus pais virarem meus amigos. Vi meus pais fragéis. Percebi que a minha irmã ficará mais alta do que eu. Encaixotei sozinha 2 apartamentos. Morei sozinha, com meus pais, com minha mãe, com meu pai, com uma amiga e percebi que deveria antes de tudo morar comigo. Chorei 3 dias seguidos por causa do homem errado no colo no homem certo. Nunca mais chorei assim por homem nenhum. Achei que meu grande amor fosse um futuro diplomáta, tive certeza disso, e o deixei ir em paz. Pensei em mudar para Israel só para poder ter uma conversa. Vi meus amigos terem filhos, achei lindo, mas dei graças à deus que não foi comigo. Reli pequeno príncipe. Jurei todo verão que iria fazer trabalho comunitário. Tirei a carteira de motorista. Comprei uma bolsa laranja. Me fantasiei para festas. Me fantasiei para ficar em casa. Amei profundamente e "desamei" em 5 segundos. Quis saber "desamar" depois de 20 anos e não consegui. Comprei lençóis e toalhas. Quebrei pratos e copos. Manchei meu tapete de vinho tinto. Aprendi a gostar de vinhos secos. Descobri que não gosto de chopp. Descobri que não gosto de mulheres. Aprendi a gostar de mim. Sai correndo de madrugada para descobrir que você foi comprar trankinas. Escutei roque e entendi bossa nova. Aprendi a não sentir. Esqueci como não se sentia e senti tudo de novo. Percebi como era sortuda de ter os amigos que tenho. Admirei profundamente cada um deles. Tentei ser imparcial e percebi que essa "qualidade" não era minha. Falei a coisa certa na hora certa, para depois perceber que estava falando para a pessoa errada. Fui imensamente feliz e completamente triste. Respeitei a minha tristeza e soube não "desrespeitar" minha gargalhada. Depois de tudo isso é realmente fantástico saber que ainda tem muita coisa pela frente.